Um favor a um amigo
– E aê, cara? – disse Breno, assim que eu o atendi.
– O que você quer, menino? – eu disse em tom afetivo.
– Você não vai parar de me chamar de menino, Santiago? Que
merda, eu me sinto com quinze anos! – retrucou.
– Meninos fazem birra e beicinho, assim como estás fazendo
agora. – gargalhei. – Diz o que fez você me procurar... já sei: Mulher!
– Sim, mulher! Preciso de um favor.
– Favor? Lá vem merda!
– Fico lhe devendo uma...
– Não sei, não! Diga do que se trata que eu analiso e vejo
se faço!
– Preciso que escreva uma coisa que aconteceu comigo.
– Por que eu? Você não é um poeta, oras? Escreva você!
– Tem que ser você, cara! Quebra esse galho pra mim!
– Tudo bem, conte-me o causo.
– Ok. Lá vai:
Conheci uma moça na praça há uns quatro meses. Uma dessas
garotas lindas que vem com uma placa sobre a cabeça, com um letreiro de neon,
em luzes vermelhas e azuis, dizendo: “Não se aproxime!”. Eu estava recitando
uns versos e ela parou e ficou fitando-me com olhos negros e desejosos. Não me
contive. Aproximei-me, e com todo meu arsenal de cafajestagem, investi
inclinado a ganhar aquela boca rósea que me paralisava. Conversamos por horas.
Trocamos telefones, mensagens, passávamos madrugadas conversando pela internet.
Eu apostava todas as minhas fichas na expectativa de que uma hora eu seria dono
de toda graça que emanava daquele ser de cabelos negros e longos. Fui criando
jogadas, tiradas, me deixei envolver. Abandonei as outras presas para me
dedicar inteiramente a ela. Víamos-nos quase sempre. Eu recitava em seu ouvido
e dizia que queria seguir o tempo dela. E ela sempre virginal e amável, buscava
a melhor forma de me deixar querendo um pouco mais a cada dia. Quando estávamos
próximos, ela se insinuava e me enchia de desejo, mas quando eu me propunha a
beijá-la tudo acabava. Por horas ela me deixou inflamado em um banco de praça
acompanhado pela lua e por uma vontade indescritível de tocá-la. Os dias se
passaram, passaram-se também uns meses e eu cada vez mais me via dependente daquele
ser, que nessa altura já era pra mim um vício. Tudo começou como um jogo, mas
depois eu caí de quatro pela caça. Meus poemas, as músicas que eu ouvia, os
recitais, tudo havia um motivo e um endereço: a maldita moça!
– Cara, que merda de história. Você acha que eu tenho tempo
pra escrever besteirinhas sobre amorzinho? Você sabe que eu sou totalmente o
avesso desse seu romantismo esdrúxulo!
– Continue ouvindo, cara, por favor!
– Vá despejando... quando acabar me avise que darei
descarga!
– Eu acabei envolvendo-a no meio artístico em que vivo.
Levava-a as apresentações, festivais de música, ela caminhava livremente nos
bastidores, conheceu todos os caras que me rodeavam, frequentava os bares onde
os amantes da arte viam as noites se despedirem com brio; mesmo não a tendo de
fato, eu queria sentir o efeito placebo de tê-la por perto. Foi então, que
fechei a tampa da minha cripta. Ouvi uns comentários maldosos nos bastidores de
um espetáculo em que eu recitava uns poemas. Até então, ninguém nunca havia trocado
uma palavra comigo sobre ela, mas na noite da ultima apresentação uma menina
que trabalhava de fotógrafa aproximou-se de mim e perguntou se eu namorava a
dita cuja. Eu respondi que não e questionei o motivo da pergunta. Foi quando,
ela disse que ouviu que eu estava sendo corno e que a menina estava se
atracando com o violinista da orquestra nas minhas costas. Eu fiquei possesso.
Não acreditando, despejei injurias e insultos sobre a pobre fotógrafa.
Abandonei o espaço sem dar satisfações e não me apresentei naquela noite.
Passaram alguns dias e aquela história me dilacerava interiormente. Sem
comentar nada com a garota, fui procurar o violinista. Questionei-o sobre as
fofocas e percebi que o desgraçado mentia quando afirmava negativamente as
minhas indagações. Soltei-lhe uns dois socos de direita, um pegou de raspão no
pescoço e o segundo acertou em cheio a fuça. O maldito cambaleou e caiu. Eu
agarrei-o pelos cabelos, compridos, e aos berros tirei dele toda a verdade. E o
pior, ele me contou que não foi o único. Fora ele, o cantor e o cara da
iluminação também foram vítimas do veneno mortal da garota. Eu me desintegrei e
virei grãos de nada. Passei o restante desse dia num bar, acompanhado por
milhares de tragos alcoólicos e me indagando sobre a minha visível e latente
idiotice. Era eu o caçador, era eu o apostador, eu tinha tudo nas mãos, mas por
idiotice embolei minhas pernas no meu próprio cabelo e como Sansão deixei que
uma Dalila roubasse toda força que existia em mim. Ela era uma jogadora.
Escolheu devorar-me naquela praça quando me viu recitar. Ela jogava comigo por
que queria me ver perder todas as fichas. E conseguiu. Eu me transformei em pó.
Caí, como um anjo que traiu o Pai por burrice, e escolheu o comunismo utópico
de Lúcifer sendo lançado eternamente no mar de enxofre. Santiago, eu quero que
você escreva sobre um soldado que morreu por não atirar num outro soldado
inimigo. Fui baleado por me apaixonar por quem estava em trincheira oposta.
– Sabe o que eu acho disso tudo?
– O que, camarada?
– Acho que você é um otário!
– Mas vou escrever isso!
– Obrigado!
– Não será um favor, pra isso você terá que me passar o
telefone daquela sua prima loira!
– Você ta falando sério?
– Lógico, não sou abestado como você!
– Ok. Passo por mensagem.
– Certo, me dê uma noite que escrevo essa bobagem.
– Boa noite, Santiago.
– Boa noite, menino!
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